A Viagem

A Viagem


   Eram os tempos de ouro das grandes navegações. Eu era um criminoso que para pagar pelo meu crime, o Rei ofereceu-me a hipótese de embarcar na Esmeralda com rumo a Sul para explorar mares nunca antes navegados, enfrentar o Adamastor e chegar à Índia.

   E assim foi, mantimentos armazenados, tropa embarcada, vela içada, bandeira hasteada e zarpamos a ousar navegar os Mares dominados pelas criaturas e lendas. Nunca fui muito de acreditar em histórias de marinheiros, mas também nunca quis desafiar uma lenda. Em cada mentira há sempre um pingo de verdade.

    As primeiras semanas correm pacificamente tal como o Capitão e o seu Imediato planearam. Atracamos na Madeira, nas Canárias e em Cabo-Verde, aproveitamos sempre para reabastecer. Apenas um dos rapazes da pólvora, que apanhara a doença dos marinheiros, por enquanto nada de mais disseram o Médico a bordo. Diariamente tínhamos direito a uma missa com o Padre.

    A última paragem que tivemos antes de traçarmos rumo a sudoeste foi em Serra Leoa, onde parámos por pouco mais de uma semana devido a problemas na estrutura da nau. Entretanto, aproveitamos para conviver e negociar com os nativos. Por fim tomámos rumo e fomos para onde o vento nos levar. Só iríamos voltar a pisar terra firme quando atracássemos na Baía de Santa Helena, diz o nosso Capitão Nicolau Coelho que se tudo corresse bem, em 4 meses.

    Nós fazemos jogos de apostas às escondidas para nos entretermos, mas como bons criminosos que a maioria de nós é, era a tentar burlar e denunciar quem aldrabava, mas obviamente isto não corria bem. Não me lembro de uma vez que não acabássemos por criar confusões, nessa altura o Capitão aparecia e éramos castigados.

    O chão do navio tinha que andar sempre limpo, a bandeira sempre hasteada e as armas carregadas, nunca se sabe quando iríamos ter de atacar um navio pirata ou iríamos ser atacados. A maioria de nós é apenas simples criminosos de rua, nunca tínhamos pegado numa espada antes quanto mais agora disparar um canhão.

    No meio da viagem pelo alto Mar criei varias relações, mas a que fiz um bom amigo, o Aníbal Augusto Milhais de Murça, tinha apenas 22 anos. Éramos gémeos separados à nascença, nunca negava uma bebida, e foi graças à bebida que acabou ali. Uma vez estava numa taberna já bebera demasiado, e decidiu entrar no jogo da faca entre os dedos. O consiste numa pessoa ter a mão totalmente a aberta e outra pessoa ter que passar a faca entre os dedos o mais rápido possível entre os dedos sem ferir. O problema é que ele ainda nem começara o jogo e já espetara a faca no antebraço do sujeito. Foi acusado de homicídio e o Rei fez a mesma proposta que a mim, mas com a condição de não beber mais quando volta-se, se não seria executado.

    Diariamente logo pela madrugada eu e o Milhais íamos para o mastro principal com a luneta observar o que era visível o horizonte, a maioria das vezes apenas via pedaço de pedras flutuantes que nem 100 meros metros tinham, não valiam a pena se quer de gritar "Terra à vista". Aproveitávamos e já que estávamos lá sozinhos íamos bebendo uma garrafa de rum que ocasionalmente roubávamos do armazém.

    Toda a tripulação trabalhava por turnos, tinha sempre de haver uma parte da tripulação a trabalhar para manter tudo em ordem e no rumo certo. Por vezes lá vinham as tempestades que conseguiam destruir partes do navio ou das velas, mas nós temos um destino e o Capitão não desiste até o atingir ou morrer a tentar.

    O tempo passa e com ele as doenças, a fome, o cansaço, o desgaste, as saudades e a ansiedade de dia após dia continuar a ver apenas o Mar à nossa volta. As alucinações começam a ser cada vez mais frequentes. Alguns dizem que ouvem as suas mães a afogarem nas profundezas do oceano, outros dizem que veem seres magníficos com cauda de peixe e troco de humano, há quem simplesmente salte para o mar, a maioria de nós já nem sabe quando sonha e quando está acordado. Nunca ninguém sabe qual é o limite de um homem, mas todos temos. Estamos todos desesperados por ver terra firme e acreditar que nem o nosso Capitão, nem o seu Imediato se tenham engando a definir a rota.

    Por vezes o Imediato vinha nos dar informações do estado da viagem, a última, dizia ele que há 3 meses e meio que estávamos em alto mar e que mais dia ou menos dia iríamos finalmente chegar à Baía de Santa Helena.

    Exatamente nessa noite acordo com vários estrondos vindo de Bombordo. A madeira rebenta toda e o casco fica exposto, a água começa a entrar, ouço correrias no convés, e o Capitão a lançar ordens de ataque. O Imediato vem nos acordar (naquele momento com toda a agitação, não havia ninguém a dormir) e exige que todos nos preparemos para a batalha. Estávamos a ser atacados.

Saio da cabine, está toda uma correria, estava tudo junto aos canhões laterais. Já não havia canhões disponíveis, fui então pegar num mosquete que estava no chão. Escondi-me atrás do corrimão. Levanto-me para disparar, mas estava vazio, voltei a baixar-me e comecei a por pólvora. 

Punha o projétil no cano e um tiro acerta precisamente na cabeça do meu camarada que estava no canhão ao meu lado. O rapaz da pólvora fica apavorado, não o julgo, tem apenas 13 anos, toda esta situação ninguém está preparado para algo como isto. Ele começa a fugir para se esconder no convés, mas eu pego nele e digo para ele me ajudar, pego no canhão.

Nunca disparara uma bala antes. Digo para o rapaz recarregar o canhão. Entretanto, olho para quem nos ataca e vejo uma fortaleza a flutuar na água. O gigante Galeão com a bandeira Castelhana no mastro principal, quase não conseguia ver a bandeira com a altura que ela estava.

O rapaz grita que já está pronto. Agora só tenho que esperar que o capitão diga para disparar. Saco da pólvora furado, só falta meter fogo.

- FOGO!

Deixo cair a vara em brasas no ouvido do canhão, o estopim incendeia. O rapaz mete os dedos nos ouvidos. Ouve-se um barulho enorme como se de um relâmpago gigante se trata-se, uma nuvem de fumo começa se a formar.

No meio de tanta confusão nem percebi se conseguimos atingir algo. Mando novamente o rapaz recarregar.

Enquanto espero, olho para estibordo, e vejo mais duas fragatas Castelhanas a vir na nossa direção. Chamo o pelo capitão. Mas nesse momento era a vez do Galeão Castelhano falar. Um rugido ensurdecedor fez-se ouvir e sentir, as duas fragatas também rebentam os canhões, estávamos completamente cercados e rodeado por bolas de metal gigantescas.

Todas as madeiras do convés do Esmeralda começam a partir e a voar. Muitos dos meus camaradas começam a saltar para o mar. Sou atingido por uma madeira perdida na cabeça. Vou ao chão. Olho para o rapaz, chorava por todos os cantos, ainda iria morrer era de tanto chorar. Chamo o capitão, mas nesse exato momento outro rugido vindo da ré, e vejo bolas de fogo a passar por cima de mim, sinto o chão a rebentar por baixo de mim, e por fim vejo o capitão a ser cortado ao meio por uma das bolas. 

Cai para o convés. Bati com a cabeça não sei quanto tempo estive desmaiado. Levanto. o que restava do Esmeralda ou estava partido, ou ardia. Sabia que tinha de abandonar a nau o mais rápido possível, se o fogo chega ao armazém da pólvora fico aqui com navio.

Corri em direção às escadas, pelo menos ia à esperança que elas ainda lá estivessem. Bom não estavam inteiras, mas teriam de servir. Comecei a sentir uma dor muito forte na perna, tinha uma estaca de madeira a atravancar a perna esquerda de um lado ao outro. 

Quando chegasse lá a cima ira tratar deste problema. O navio afundava para bombordo e eu ia com ele.

Subi ao convés, apenas vejo corpos e alguns compatriotas ainda vivos, mas mutilados. Por muito que os queira ajudar, nem eu sabia se ia conseguir sair dali vivo. Isto não foi um simples ataque para nos saquear, foi um autentico massacre. 

Cheguei à borda do navio, seria naquele momento ou nunca, e saltei. Fui de chapa para a água, mas pelo menos estava no Mar. Naquele momento ganhei outros problemas, fugir da força do navio ao afundar e tentar-me esconder dos navios Castelhanos. As ondas, o fumo e os destroços não ajudavam a manter um ritmo, mas lá consegui fugir.

Mais uma vez fui atingido por algo na cabeça e volto a desmaiar.

Quando acordo, já não estou mais no Mar, mas vejo-o mesmo por de baixo de mim, estou amarrado à proa de um dos navios, servia de carranca viva, pegaram em mim como se eu fosse um troféu para eles.

Infelizmente ou felizmente estava bem preso, não tinha forças para me libertar independentemente, e também não me podia dar ao luxo de libertar-me e cair no mar daquela altura, depois ainda seria esmagado pelo navio, caso não me conseguisse agarrar a algo. Pensei que ali fosse realmente o momento em que eu ia desta para melhor, estava cheio de fome, cede, estava cheio de feridas profundas e abertas na maioria do corpo.

É nestes momentos que começamos a olhar para trás e a pensar em tudo o que fizemos de errado e todos os passos que demos até chagar a este estado, ou que poderia ter eu evitado para não acabar assim. Posso começar por, será que valeu a pena trocar uma possível liberdade pela provável morte?

Começo a rogar pragas aos Castelhanos, que rapidamente vem ver o que se passas. Um deles saca do instrumento e começa a urinar para cima de mim, os outros repetem a ação. Por muito que eu quisesse vomitar não tinha nada no estômago para o fazer.

Estou cansado, doente, cheio de dores, provavelmente infeções, fome, sede, a ter ilusões com mulheres perfeitas em cima de uma pedra a escovar os seus lindos cabelos loiros e a cantar uma maravilhosa melodia, essa mulher resgata-me e leva-me com ela a conhecer as maravilhas do Mar, comer peixes que nunca vira, ver plantas incríveis, dançar ao som dos búzios, derrotar o Adamastor...

Voltado à realidade, ainda tenho a estaca de madeira espetada na perna, e ganhei um bónus de ter larvas à volta dela, atualmente a minha única companhia são os corvos que estão ansiosos que eu morra, alguns ainda tentam roubar um pouco da minha carne, mas enquanto estiver vivo não tem nada. Quem ainda os vai comer, sou eu, quando sair dali…


Quando volto a acordar é de noite, estamos atracados num porto. Finalmente um pouco de terra e civilização. Grito por ajuda, mas ninguém aparece. Começo a tentar explorar o espaço, a minha volta, vejo muito fumo, casas a arder, pessoas a gritar, espadas a bater, barris de pólvora a rebentar, animais a correr. Olho para o fundo de uma rua e vejo uma velha a cair ao sair da sua casa, e logo atrás dela veio um soldado Castelhano. Ele pega-lhe no cabelo e com a outra mão corta-lhe a garganta com a espada que empunhava. Mais uma vez os Castelhanos a fazer outro massacre. 

Ouço pedidos de ajuda em português, isso quer dizer que só poderíamos estar numa terra nossa. Grito por ajuda, mas ninguém consegue salvar-me, nem eles conseguem salvar-se a eles próprios, passado de algum tempo, vem um rapazito a correr na minha direção provavelmente tinha a idade do rapaz da pólvora que morreu a chorar na Esmeralda.

Chamo incansavelmente o rapaz e suplico por ajuda, ele vinha com um crucifixo na mão e na outra uma maça. Quando chega ao pé de mim, olha-me de alto a baixo e  mostra-me a maça. Eu digo para ele arranjar uma forma de soltar-me. Ele volta a rever a minha perna ferida e deixa cair a maça. Vai com a mão atrás das costas, pega num mosquete estacionado a um barril atrás dele, deixa cair o crucifixo, aponta para mim e ...






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